Por entre atos públicos, assembleias e uma vigília persistente diante do parlamento, nasceu, nesta quinta-feira, 10 de julho, uma nova Previdência Municipal em Aracaju e, com ela, um marco histórico forjado pela resistência coletiva. O que começou como um projeto tachado de cruel, sem transição e carregado de perdas transformou-se, após uma semana de mobilizações intensas, em um texto revisto e aprovado por unanimidade pela Câmara Municipal.
O Projeto de Lei Complementar nº 10/2025, encaminhado pela prefeita Emília Corrêa ao Legislativo, foi, à primeira vista, percebido como um atropelo usurpador de direitos. Apelidada de “reforma da maldade”, a proposta original representava um ataque frontal aos servidores municipais: ameaçava conquistas históricas, impunha regras sem transição, promovia reajustes que, na prática, significavam perdas salariais e incluía cortes que feriam a dignidade de milhares de trabalhadores.
A resposta veio de forma contundente: médicos, odontólogos, enfermeiros, professores, técnicos administrativos e demais servidores se uniram em uma só voz. Lideranças sindicais, como o Sindicato dos Médicos do Estado de Sergipe (Sindimed), encabeçaram assembleias, manifestações e reuniões técnicas para exigir a reformulação do texto.
Rechaçado imediatamente por diversas categorias do funcionalismo, o texto acabou sendo reescrito a muitas mãos, mãos calejadas pelo tempo, pela luta e por décadas de dedicação ao serviço público.
Em um episódio descrito por muitos como histórico, os sindicalistas foram recebidos na manhã desta quinta-feira, 10, na Câmara Municipal pelo presidente da Casa, vereador Ricardo Vasconcelos, representando um gesto de abertura institucional raro, que contrasta com o distanciamento observado em gestões anteriores.
Esse encontro foi o desdobramento direto de uma longa e decisiva reunião realizada na véspera, dia 9, entre a Prefeitura de Aracaju e lideranças sindicais, quando o Executivo municipal, diante da forte mobilização das categorias, concordou em rever pontos sensíveis do projeto de reforma da previdência. Durante horas de negociação, foram ajustadas cláusulas consideradas injustas e usurpadoras de direitos.
Na manhã desta quinta-feira, dia 10, o novo texto, já com as modificações pactuadas, foi encaminhado à Câmara. Horas depois, em sessão extraordinária, os vereadores aprovaram por unanimidade o Projeto de Lei Complementar nº 10/2025. Era o desfecho de um processo tenso, marcado pela resistência coletiva, pelo diálogo insistente e pela força de servidores que não aceitaram calados o peso de uma proposta feita sem eles — e que terminou sendo reconstruída com eles.
“Essa vitória não é apenas da razão, mas da resistência. Resistimos a um texto que penalizava quem dedicou a vida à cidade. A pressão foi legítima, necessária e histórica. Aracaju provou que um servidor mobilizado tem mais força que qualquer projeto injusto”, declarou o presidente do Sindimed, Dr. Helton Monteiro, que coordenou a assembleia unificada em praça pública.
Principais mudanças
Com a nova redação, uma série de avanços importantes foi incorporada ao texto. Entre os principais pontos:
Aumento da alíquota previdenciária: a contribuição dos servidores passará de 11% para 14%, após 90 dias da publicação da lei. Em contrapartida, a Prefeitura realizará um reajuste de 3% nos vencimentos básicos dos servidores ativos e inativos, a partir de janeiro de 2026.
Contribuição patronal escalonada: a contribuição do Município será de 24% em 2025, 26% em 2026 e 28% em 2027, conforme exigência das categorias, que rejeitaram um sacrifício unilateral.
Regras de transição e proteção ao servidor antigo: o texto prevê idade mínima de 55 anos para mulheres e 60 para homens, com 30/35 anos de contribuição, respectivamente. Também contempla a “regra de pontos”, que evolui gradualmente.
Pensão por morte: o benefício será de 90% do valor da aposentadoria do servidor, com 60% garantidos ao cônjuge e o restante dividido entre os dependentes. Uma conquista significativa foi a reversibilidade da cota-parte, assegurando proteção ao cônjuge sobrevivente caso os dependentes percam o direito à pensão.
Abono de permanência: foi mantido o direito ao abono para servidores que, mesmo com todos os requisitos para aposentadoria, optarem por permanecer na ativa — um reconhecimento ao servidor experiente.
Profissionais da saúde: a proposta inicial, que extinguia a aposentadoria especial por insalubridade, foi retirada. A regra anterior foi preservada, garantindo aos profissionais expostos a riscos o direito a um regime diferenciado de aposentadoria.
Cálculo da aposentadoria: foram definidos três métodos: Integralidade e paridade: para quem ingressou até 31/12/2003; Média dos 80% maiores salários de contribuição: para quem ingressou até março de 2023; Média de 100% das contribuições: para quem ingressou após março de 2025.
Gestão do AracajuPrev: passa a exigir formação técnica dos gestores, com inclusão de membro eleito pelos servidores, além de critérios de transparência e governança.
Segregação de massa: servidores admitidos até 1987 permanecem no regime de repartição simples; os posteriores ingressam no regime de capitalização. A medida ainda aguarda avaliação técnica do Ministério da Previdência.
Construção democrática
Ao longo da semana que antecedeu a votação, a cidade assistiu a um exemplo de mobilização democrática. Os sindicatos mantiveram-se em vigília, pressionaram os parlamentares e buscaram a imprensa para expor os riscos do projeto inicial. Em assembleias históricas, os servidores mostraram que sabiam o que estava em jogo.
A reforma da previdência de Aracaju entra para a história não apenas pelas mudanças que promove, mas por ter sido fruto de uma mobilização ampla, plural e democrática.
O que nasceu como um texto cruel e unilateral foi reformulado por pressão popular, evidenciando que o poder ainda pode ser moldado pela voz coletiva.
“A sociedade aracajuana testemunhou o que é possível conquistar quando se une em torno do justo. Essa vitória mostra que diálogo não é concessão, é direito. E que cada servidor que ergueu sua voz foi, de fato, autor desta conquista”, concluiu o presidente do Sindimed, Dr. Helton Monteiro.
Por Joângelo Custódio, assessoria de Comunicação Sindimed.