Por trás de cada consulta, cada diagnóstico e cada plantão está uma classe que, há décadas, batalha para ver seus direitos reconhecidos e valorizados. Nesta semana, nos dias 26 e 27 de novembro, médicos de todo o Brasil, liderados pela Federação Médica Brasileira (FMB), incluindo a direção do Sindicato dos Médicos do Estado de Sergipe (Sindimed), ocupam Brasília em uma mobilização para aprovar o Projeto de Lei nº 1365/2022, que atualiza o piso salarial dos médicos e cirurgiões-dentistas, previsto na histórica Lei nº 3.999, de 1961.
Dr. Waldir Araújo, diretor do Sindicato dos Médicos do Pará e ex-presidente da FMB, conta, em tom sereno, que essa luta já percorreu uma estrada longa. “As raízes dessa batalha começam na segunda metade do século 20, quando conseguimos aprovar a Lei 3.999 no Congresso, sancionada pelo presidente João Goulart. Ela estabelecia o salário mínimo médico equivalente a três salários mínimos da época. Foi um marco, pois pela primeira vez os médicos passaram a ter uma referência clara e justa para seus rendimentos”, relembra o médico, em tom didático e engajado.
Das conquistas iniciais ao impacto da inflação
Nas décadas que se seguiram, contudo, o cenário mudou drasticamente. A inflação galopante dos anos 1980 corroeu o poder de compra dos três salários mínimos. “De repente, aquela referência já não valia mais nada”, lamenta Dr. Waldir. Em 1988, a nova Constituição trouxe mais um obstáculo: a proibição de vincular qualquer salário ao salário mínimo. Sem um parâmetro claro, a categoria viu-se novamente na necessidade de reorganização.
“Nos anos 2000, buscamos alternativas. Em 2007 e 2008, fomos à Fundação Getúlio Vargas (FGV) para calcular uma nova referência. Eles analisaram as perdas inflacionárias e nos ajudaram a chegar a um valor atualizado, que passou a ser ajustado anualmente. Desde então, lutamos para que esse piso seja reconhecido oficialmente”, lembra.
Avanços e retrocessos no Congresso
Em 2013, após anos de articulações, os médicos conquistaram a aprovação de um projeto de lei do piso no Congresso. Mas a alegria foi breve. “A então presidente Dilma Rousseff vetou integralmente o projeto. Foi um golpe duro para a categoria, e voltamos à estaca zero”, recorda o ex-mandatário da FMB.
Desde então, várias propostas surgiram, mas nenhuma conseguiu avançar significativamente. O mais recente e promissor é o PL 1365/2022, de autoria da senadora Daniella Ribeiro (PSD/PB). O projeto não apenas modifica o piso salarial dos médicos e cirurgiões-dentistas, mas também atualiza os valores de hora extra e adicional noturno, prevendo um salário base de aproximadamente R$ 20 mil para 20 horas semanais de trabalho.
A mobilização como arma principal
“Quando lutamos pelo Ato Médico, foram dez anos de mobilizações intensas, de 2003 a 2013. Fizemos caravanas ao Congresso, todos de branco, unindo médicos e estudantes. Agora, nossa bandeira é o piso de R$ 20 mil para 20 horas semanais, e precisamos da mesma força e união”, enfatiza Waldir.
A mobilização desta semana em Brasília reflete essa determinação. Médicos de todo o Brasil, incluindo o presidente do Sindimed, Dr. Helton Monteiro e o diretor executivo, Dr. Bruno Goes, reunirão forças com a FMB para pressionar as comissões da Câmara. O objetivo é que o PL 1365 avance, espelhando o texto já aprovado no Senado, e chegue à sanção presidencial.
“Esta mobilização não é apenas uma luta por salários, mas por dignidade e reconhecimento da nossa profissão. Os médicos têm carregado, por décadas, o peso de salvar vidas enquanto enfrentam condições desafiadoras e remunerações que não condizem com a responsabilidade que assumimos diariamente. A aprovação do piso nacional é um passo histórico para corrigir essa injustiça e garantir que os profissionais da saúde tenham condições justas de trabalho. Sergipe, como sempre, está ao lado dessa luta, porque sabemos que valorizar o médico é investir na saúde da população. É hora de unir forças, mostrar nossa voz e conquistar o que nos é de direito", destacou Dr. Helton.
A chave do sucesso, na opinião de Dr. Waldir, está na união. “Uma andorinha só não faz verão. A FMB, que reúne cerca de 30 sindicatos médicos, assumiu a liderança dessa luta, e o apoio de todos os estados, conselhos de medicina e sindicatos é fundamental”, afirma.
A mobilização é um ato de esperança, mas também de persistência. “Nossa luta pelo piso é, acima de tudo, pelo reconhecimento da dignidade do trabalho médico. É uma batalha que ultrapassa gerações, mas estou confiante de que estamos mais perto de vencer”, conclui Dr. Waldir.
O que está em jogo?
Se aprovado, o novo piso trará um impacto significativo não apenas para os profissionais, mas também para a valorização do sistema de saúde no Brasil. Os médicos esperam que, desta vez, a longa jornada de luta seja coroada com o reconhecimento oficial de um piso que represente a real importância do trabalho que realizam.
E, enquanto o futuro se decide nos corredores do Congresso, uma coisa é certa: o espírito de mobilização e resiliência que guia essa classe permanecerá, como há décadas, inabalável.
Por Joângelo Custódio, assessoria de Comunicação Sindimed.